Mais do que medalhas de ouro, ao longo da carreira como docente, treinadora e atleta, Silvia Helena Piantino Silveira, 59 anos, guarda em suas memórias o orgulho de ser mãe, esposa e também profissional realizada, cumprindo sua missão social por meio do esporte.
Mesmo comprometida com o trabalho, sempre priorizou seu bem maior: a família. "Eles são minha principal conquista, minhas medalhas de ouro", conta quando se refere aos filhos Rodrigo Borges, 30 anos, empreendedor, e Marcelo Borges de Oliveira, administrador de empresas. Foram os filhos, ainda muito pequenos, com 1 e 5 anos, que deram o gatilho inicial para mudar outras vidas nas quatro linhas da quadra.
Por ser mulher e desempenhar tantos pápeis, Silvia Helena afirma nunca ter sofrido com o machismo em uma profissão, na época, dominada pelo público masculino. "Sempre mostrei minhas qualidades e não enfrentei preconceito onde trabalhei. Minha relação com o esporte é um relação de amor e me ensinou a ser guerreira. Ser mulher é mostrar que tudo o que você quer é possível".
Atleta por vocação
A paixão pelo esporte tem início na adolescência, quando cursava o Ensino Fundamental e começou a praticar vôlei na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Por se destacar, foi convidada a representar a escola em diversos campeonatos e depois o município, trilhando os primeiros passos como atleta.
Quando chega o momento de ingressar na universidade, Silvia já havia escolhido o que desejava seguir, mas, desmotivada por parentes e amigos, adia o sonho de cursar Educação Física devido a desvalorização da carreira de professora, optando pelo Jornalismo. "Fiz o primeiro ano e não me identifiquei".
Ainda influenciada, tenta uma nova carreira: Relações Públicas. Por nunca deixar de competir, estudava como bolsista, ficando sempre próxima ao segmento que havia conquistado o seu coração. Procurando agradar as expectativas concluí a graduação, porém, não se encontra profissionalmente. "Um mês depois de terminar o curso, já estava matriculada em Educação Física", seguindo sua vocação.
Missão social
Finalmente formada, Silvia começa a atuar como educadora. Nas escolas, desenvolve um estilo próprio de envolver os alunos na prática esportiva, refletindo seu amor e alegria na vida de cada estudante. "Percebia que era o único momento de descontração para muitas crianças que eram tristes, com problemas em casa, que passaram a enxergar nas aulas de Educação Física o seu momento preferido. Então, procurava atividades fundamentadas no esporte alternando com o lúdico das brincadeiras".
Motivados pela paixão da professora, os estudantes começam a treinar pensando em alvos maiores. O empenho gera muitos resultados: "Conquistamos muitos pódios. Em 2012, por exemplo, o time de vôlei da escola Professor Cid de Oliveira Leite foi o vencedor dos Jogos Escolares do Estado de São Paulo. Vencer é importante, só que o melhor de tudo mesmo é saber que estou participando da formação de indivíduos, cidadãos prontos para fazer a diferança onde estarão inseridos, e claro, saber que alguns alunos, hoje, também são colegas de profissão e escolheram Educação Física como carreira".
Esporte adaptado
Foi na Escola Estadual Professor Cid de Oliveira Leite onde sua grande missão começou. Logo quando foi transferida para a unidade como professora-efetiva, em 1991, se deparou com muitas crianças com deficiência visual, entre 8 e 9 anos, que estudavam na Sala de Recursos. "Perguntei a professora titular da sala - que também era deficiente visual -, se elas participavam das aulas de Educação Física e descobri que não. Pedi autorização à direção da escola para saber se poderia trabalhar com as crianças e comecei a pesquisar. Minha motivação foram meu filhos, na época, com 1 e 5 anos. Eles corriam, pulavam, brincavam, jogavam bola e por que essas crianças não poderiam? Só por não enxergarem não poderiam praticar atividade física?".
O questionamento serviu como combustível. Silvia voltou à universidade como pesquisadora e rebuscou nos livros acadêmicos orientações para desenvolver seu projeto. Na época, não haviam muitos títulos voltados ao esporte adaptado, obrigando a educadora a superar mais um desafio. "Usei do bom senso para aplicar os conceitos que havia aprendido na adaptação das atividades. Inicialmente, meus alunos ajudaram. A cada aula, levava um aluno da Sala de Recursos para a quadra. E houve um comprometimento tão grande que eles chegavam a 'brigar' para ajudar. Fiquei muito feliz e surpresa".
Com o avanço do projeto e o ganho de confiança em como aplicar os fundamentos do esporte aos alunos com deficiência, a professora percebe que é tempo de ampliar o atendimento e se torna voluntária no período de contraturno das aulas, assistindo os estudantes a tarde, abrindo a quadra para todos os membros da Sala de Recursos. "Lembro que fui até uma loja que vendia materiais esportivos, escolhi uma bola mais leve, fechei os olhos e pedi para que a jogassem no meu rosto. Queria saber se machucava, caso caísse no rosto dos alunos. Sempre me preocupei com a segurança deles. Meu objetivo era incluí-los e não deixá-los com medo de se lesionar".
A evolução do projeto pioneiro, despertou o interesse de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) do campus Ribeirão Preto que começaram a apoiar a iniciativa. Outros profissionais da área de Educação Física também passaram a integrar a ação e até pais dos alunos se envolveram como voluntários.
Sonhando alto
O grande número de participantes e voluntários, viabilizou o início da ADEVIRP - Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto e Região, em 1998. A atual presidente é Marlene Taveira Cintra, antiga professora da Sala de Recursos da Escola Estadual Professor Cid de Oliveira Leite. Silvia Helena atua como voluntária e é coordenadora de esporte.
Semelhante ao projeto da educadora na escola, a ADEVIRP começou com a grande missão de integrar os alunos com deficiência à sociedade. Hoje, a associação já conta com a conquista da sua sede, integra os projetos educacionais apoiados pelo Criança Esperança em parceria com a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), e em 2007, venceu o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos, pelos serviços prestados e por defender os direitos dos alunos com necessidades especiais.
Goalball
Em meados dos anos 2000, Silvia Helena conhece o goalball. A modalidade paralímpica, segundo a CBDV - Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais - foi criada em 1946 pelo austríaco Hanz Lorezen e o alemão Sepp Reindle, com o objetivo de socializar veteranos da Segunda Guerra Mundial que ficaram cegos. A professora passa a estudar a prática e aplicá-la na quadra, atuando como técnica.
Posteriormente, faz o curso de arbitragem e começa a apitar jogos em todo o Brasil. Por seu pioneirismo, foi convidada a integrar a equipe oficial de árbitros dos mundiais para cegos sediados no Brasil em 2002, 2005 e 2007.
Por não ser árbitra internacional, ficou impedida de apitar nos Jogos Paralímpicos - Rio 2016. O fato não a impediu de participar como voluntária. Ela se inscreveu e passou por todas as fases de seleção, sendo congratulada com a posição de voluntária nos jogos de goalball. "Acompanhei o início do esporte paralímpico no Brasil. Não poderia ficar fora dos Jogos-Rio 2016, nem que fosse como voluntária, precisava participar, pois sei todos os sacrifícios que profissionais ligados ao esporte adaptado enfrentam e como se deu o processo de crescimento, criação da confederação, comitê paralímpico, investimento dos governos federais e estaduias, como também o surgimento de novos atletas".
Reconhecimento mundial
O gosto por competir continua sendo nutrido por Silvia Helena em competições na categoria master, voltada ao público maduro. Em 2017, ela viveu um dos ápices da carreira como atleta, ao conquistar no World Masters Games, promovido na Nova Zelândia, as medalhas de ouro no voley indoor 60+, prata no arremesso de peso 55+, prata no tênis de dupla 60+, ouro no beach voley 60+ (sendo a última de participação por estar na única equipe inscrita). Essa não foi sua primeira vez no World Masters Games. Em 2013, na edição de Turim, na Itália, ela levou o ouro na modalidade de arremesso de peso no campeonato World Masters Games,
Com 47 anos de dedicação ao esporte, é certo que essas não são suas únicas vitórias. No papel de atleta ela acumula muitos títulos, como vice-campeã sulamericana de arremesso de peso, lançamento de disco e campeonatos de vôlei em Ribeirão Preto.
Marcelo Borges 21/05/2020
Sou um dos filhos da Silvia. O comentário é simplesmente GRATIDAO pela reportagem e por reler esta história inspiradora. Nossa mae é realmente incrivel. Obrigado!
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