“Aspino e o boi” (25 págs.), obra infantil da pesquisadora, professora e escritora Gessiane Nazario (@gessianenazario), narra a resistência do protagonista frente às investidas dos fazendeiros, que desejavam expulsar as famílias quilombolas de suas terras. Inspirado em histórias orais da comunidade quilombola de Rasa, em Armação dos Búzios (RJ), o livro, publicado pela Sophia Editora (@sophiaeditora), conta com ilustrações de Letícia Figueiredo e tem como intenção preservar a memória quilombola. O lançamento foi na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2024.
Na história, Aspino, um lavrador quilombola, dedicava sua vida à caça e ao cuidado de suas plantações. Sua rotina pacífica, porém, é ameaçada com a chegada de um fazendeiro malvado, que, na tentativa de intimidar as famílias quilombolas, envia um boi para destruir as terras e amedrontar a comunidade. O livro retrata a luta corajosa de Aspino contra essa opressão, abordando temas como expropriação de terras, resistência quilombola e ancestralidade.
O enredo é mais do que uma história infantil; é um registro das memórias dos descendentes de escravizados na Fazenda Campos Novos, na Região dos Lagos. Gessiane, neta de Aspino e bisneta de Bibiana, conta a saga de sua própria família, que inclui sua tataravó Madalena, mulher trazida de Angola para o Brasil em um navio negreiro. "Ao transformar essas histórias em livro, quero oferecer ao público infantojuvenil uma importante reflexão sobre identidade, territorialidade e resistência", conta a autora.
As ilustrações de Letícia Figueiredo complementam o texto com cenas vívidas, que capturam a intensidade da narrativa. A obra consegue unir o colorido das imagens à profundidade da história de Aspino, criando uma experiência visual e literária que conecta os jovens leitores com as lutas e tradições quilombolas.
Este é o segundo livro de Gessiane Nazario, que, também pela Sophia Editora, já havia lançado "Revolta do Cachimbo – a luta pela terra no Quilombo da Caveira", resultado de sua tese de doutorado, na qual documentou a trajetória de resistência das famílias descendentes de escravizados na Fazenda Campos Novos e suas reivindicações por direitos territoriais.
Assim como em sua pesquisa acadêmica, Gessiane reafirma em "Aspino e o boi" o compromisso com as histórias de vida de seus ancestrais, há tanto tempo silenciadas. Gessianepontua a necessidade de um “aquilombamento da literatura infantil”, de modo que, nas salas de aula, professores tenham ferramentas para trabalhar e aprofundar essas questões com os estudantes.
No caso de Armação dos Búzios, Gessiane lembra que a história oficial deriva do mesmo projeto de turistificação que foi iniciado com a expropriação de terras de famílias quilombolas como a de Aspino. Como consequência, observa-se, de um lado, o silenciamento de trajetórias de luta da comunidade quilombola; de outro, o enaltecimento da visita da atriz francesa Brigitte Bardot, em 1964, quando Búzios ainda pertencia a Cabo Frio – a emancipação veio apenas em 1995.
Gessiane Nazario e a importância de lembrar e registrar em sua obra
Gessiane Nazario é quilombola da Rasa, em Armação dos Búzios (RJ). Sua trajetória acadêmica e profissional é marcada pela defesa dos direitos quilombolas e pela promoção da educação emancipatória. Pós-doutora em História Comparada e doutora em Educação pela UFRJ, é mestre em Sociologia e graduada em Pedagogia pela UFF. Professora nas séries iniciais da rede municipal de Armação dos Búzios, Gessiane é também co-fundadora e integrante da coordenação do Coletivo de Educação da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas).
Sua atuação acadêmica inclui a participação como pesquisadora-colaboradora no Projet Pré-Textos, vinculado ao Alari/Harvard. Além disso, coordenou a área científica “Quilombos, Territorialidades e Saberes Emancipatórios” da Associação Brasileira de Pesquisadoras/es Negros (2022-2024).
As influências para a escrita de “Aspino e o boi” e a incursão na arte também têm relação com a importância da ancestralidade. “Meu avô, meu pai e minhas tias eram todos musicistas e que adoravam nos contar histórias.” Além deles, os contos infantis e africanos também foram referências essenciais para a construção da obra.
O registro em livro vem da necessidade de ter as histórias de seus avós transformadas numa linguagem para as crianças, ajudando a revelar parte da história não contada do Brasil.
Confira um trecho do livro:
“E assim eles viviam, plantando e colhendo. Tinham também momentos de lazer para descansar do trabalho. Mas mal sabiam que os fazendeiros tinham planos de enriquecer ainda mais com as terras da fazenda…”
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