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Cuiabá, 10 de Julho de 2025.

Arte e Cultura Quarta-feira, 09 de Julho de 2025, 20:20 - A | A

Quarta-feira, 09 de Julho de 2025, 20h:20 - A | A

Literatura

“Cartas para meus filhos: a maternidade que me ensinou a escrever (e a me reconhecer)”

Divulgação

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Antes mesmo de aprender a ler, por volta dos cinco anos, peguei um livro na casa da minha avó e disse que faria um daqueles quando crescesse. Lembro da sensação — algo dentro de mim dizia que eu tinha nascido para escrever. Eu não sabia ainda o que era ser escritora, mas já sentia o chamado.

Na adolescência, escrevi meus primeiros livros, que imprimi e guardei. Aos 26 anos, decidi levar a sério o que até então era um hobby. Tinha acabado de terminar um romance e queria ver aquela história no mundo. Sem conhecer ninguém que tivesse publicado, comecei a procurar sozinha: anotei nomes de editoras nas capas dos livros que via em livrarias, visitei sites, mandei e-mails. A maioria não respondeu. Algumas recusaram originais, outras enviaram orçamentos. Foi assim que escolhi com quem faria minha primeira publicação.

Esse ritual se repetiu a cada novo livro: pesquisar, enviar, comparar, decidir. Com o tempo, percebi que mesmo publicando com diferentes editoras, não conseguia ver meus livros circulando como sonhava. Era eu quem divulgava, vendia, organizava lançamentos. Entendi que, se o trabalho era meu, talvez o controle devesse ser meu também. Descobri profissionais que prestam apenas os serviços editoriais — preparação, revisão, capa, ISBN — e optei pela publicação independente. Com ela, não reparto os valores das vendas com quem não está envolvido no alcance do livro. E, principalmente, preservo o cuidado com cada detalhe.

Hoje, com sete livros publicados, afirmo com convicção: aprendi que posso confiar em mim, que posso realizar meus sonhos com as minhas próprias mãos. A escrita me transformou. Ela me ajuda a vencer a timidez, me aproxima das pessoas, me oferece sentido. Receber mensagens de leitores dizendo que minhas palavras os tocaram é uma das maiores conquistas da minha vida.

Minha formação em Direito — embora distante da literatura — me deu ferramentas valiosas. Aprendi a ler contratos com atenção, a escrever com clareza, a organizar o pensamento. Essas habilidades me acompanham em cada etapa do processo editorial e na forma como conto minhas histórias.

O livro mais desafiador que publiquei foi Quatro Letras. Nele, escrevo sobre a morte do meu filho Igor, que faleceu ainda bebê. Foi preciso coragem para expor algo tão íntimo, mas a resposta dos leitores foi acolhedora e profunda. Descobri que é possível falar da dor com beleza, e que há espaço para esse tipo de escuta no coração das pessoas.

Neste ano, lanço meu novo livro, Enquanto Vocês Crescem – As cartas de amor de uma mãe, em que narro minha jornada materna por meio de cartas escritas aos meus três filhos ao longo de mais de dez anos. A obra fala de amor, descobertas, doçura e também de luto. Escrever essas cartas foi minha maneira de registrar o que há de mais delicado e essencial na maternidade: o gesto cotidiano, o olhar atento, o aprendizado mútuo entre mãe e filho.

Dedico o livro aos meus filhos, à memória de Igor. Escrevo porque acredito no poder da palavra — e porque sinto que cada uma delas me salva um pouco. Como diz um trecho do prefácio do psicanalista Thiago Queiroz: “não estamos apenas ensinando, mas aprendendo — e, muito frequentemente, mais aprendendo do que ensinando”.

Escrever, para mim, é reconhecer o valor da experiência. É eternizar a presença de quem amamos. É construir pontes com quem vive histórias parecidas ou sente dores semelhantes. É tornar a existência um pouco mais habitável.

Se eu pudesse dizer algo a quem sonha em publicar um livro, seria: confie no seu chamado. Comece com o que tem, com as palavras que vierem. O caminho se mostra enquanto andamos. E não há presente maior do que encontrar leitores que reconhecem em sua história um espelho.

Ser escritora no Brasil hoje é um ato de coragem. É resistência, é vocação, é generosidade. É desejar que os meus pensamentos não fiquem só comigo.

Flavia Camargo é advogada formada pela UFRJ, mãe de três filhos e autora de sete livros, sendo o de estreia “Diferenças em Comum” (Editora Giostri, 2010) e foi finalista do Prêmio Ecos de Literatura com o livro “Quatro Letras” (Editora Albatroz, 2024). Sua mais nova obra é o romance epistolar “Enquanto Vocês Crescem – As cartas de amor de uma mãe”.




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