O uso da melatonina tem se tornado comum na busca para dormir melhor ou ter um sono com mais qualidade. No Brasil, a venda como suplemento alimentar foi liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2021, o que não torna obrigatória a prescrição médica.
Uma pesquisa da Academia Americana de Medicina do Sono (2023), onde a venda também é liberada como suplemento alimentar pela FDA, constatou que até 46% dos pais já deram melatonina a crianças menores de 13 anos para “ajudá-las” a dormir. Os pesquisadores entrevistaram pais de 993 crianças americanas, com idades entre um e 14 anos e aferiram um aumento significativo no uso relatado de melatonina nos últimos anos.
Com base nessa pesquisa, a neurologista infantil, médica do sono e membro da SBNI (Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil), Leticia Soster, lança alguns alertas e esclarecimentos preventivos. “Um ponto fundamental a destacar é a natureza da melatonina como um hormônio e não como um simples remédio para dormir. A melatonina não é uma ‘solução rápida’ para induzir o sono ou para garantir a saúde do sono das crianças. Muitas pessoas a buscam não apenas para melhorar o sono, mas também para assegurar que seus filhos tenham uma boa saúde do sono, o que é um equívoco. O uso indiscriminado da melatonina, como se fosse uma vitamina ou suplemento geral para melhorar o bem-estar, não é apropriado”.
Letícia explica também que a melatonina é naturalmente liberada no organismo durante a escuridão, o repouso e o final do dia. Como qualquer outro hormônio, sua produção e liberação seguem um ritmo próprio e devem ser regulados pelo corpo da criança sem a necessidade de uso externo, a menos que exista uma condição neurológica que afete essa via hormonal e avalize a prescrição, a ser feita sempre pelo médico com base em critérios clínicos.
“A melatonina deve ser utilizada com orientação médica quando houver uma indicação clara e específica, especialmente em casos de transtorno do ritmo circadiano”, explica Leticia Soster. Os chamados ritmos circadianos são os padrões biológicos que regulam nossos processos fisiológicos ao longo do dia e da noite, seguindo um ciclo de aproximadamente 24 horas. Esses ritmos são controlados pelo relógio biológico interno do corpo, que é sensível à luz e a outros sinais ambientais. Quando esses ritmos estão desregulados, isso pode resultar em transtornos do ritmo circadiano, afetando o ciclo sono-vigília.
“Uma das coisas que mais temos percebido é o uso de melatonina por pessoas sob o pretexto não clínico de manter o sono do filho saudável, como se fosse uma vitamina, sem observar o contexto da indicação do produto. Nesses casos, a melatonina não está sendo usada nem pelo motivo errado e sim pela ‘falta de motivo’ para evitar que surja um problema. A melatonina já não é nem recomendada para insônia, quanto mais para evitar que a insônia aconteça”, alerta a neurologista infantil.
Efeitos colaterais - sonolência diurna, dor de cabeça, náusea e tontura - podem ocasionalmente ocorrer ao tomar melatonina, especialmente em crianças e adolescentes. No entanto, não há estudos significativos sobre os efeitos a longo prazo. Portanto, é fundamental ter cautela e buscar orientação médica adequada ao considerar a administração de melatonina em crianças e adolescentes, especialmente sob o pretexto de evitar potenciais quadros de má qualidade do sono.
Antes de recorrer à melatonina ou a qualquer outro suplemento, é fundamental a avaliação de um médico especializado. É importante estabelecer uma rotina regular de sono, com horários consistentes para dormir e acordar, fatores que podem ajudar a regular o relógio biológico da criança. Criar um ambiente tranquilo e confortável, com temperatura adequada e pouca luz, também é essencial. Além disso, evitar alimentos e atividades estimulantes antes da hora de dormir ajudam nesse processo.