

Nota de pesar divulgada pela juíza Amini Haddad Campos, do NEVU/FD-UFMT
Publicado em: 26-12-2020 14:11hs | Fonte: Amini Haddad Campos.
VIVIANE VIEIRA DO AMARAL ARRONENZI, | Creditos: Divulgação
O Núcleo de Estudos Científicos sobre as Vulnerabilidades da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso – NEVU/FD-UFMT vem a público externar consternação e indignação pelo assassinato (Feminicídio) que vitimou VIVIANE VIEIRA DO AMARAL ARRONENZI, mulher, mãe e Juíza de direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Seu algoz? O ex-marido, engenheiro, de 52 anos, que não titubeou ao esfaquear Viviane na frente das suas três filhas, mesmo diante dos gritos desesperados das meninas que pediam: - Pai, pára. Pára, pai! Resta-nos questionar o que está por trás das diversas facadas, tiros, estrangulamentos, golpes violentos. Há algo anterior que precisa ser enfrentado.
O que leva um passageiro de metrô ou ônibus, a se achar no “direito” de explorar o corpo de uma mulher desconhecida para satisfazer a “sua libido”. Isso é crime de importunação sexual (art. 215-A do CP) e, ainda assim, alguns se acham até “no direito de ejacular” em mulheres, mesmo em aeronaves, quando em viagem.
Resta-nos perguntar o que leva um empresário a ofertar um salário menor às mulheres, mesmo diante de mesmo trabalho e carga horária, ou até a pagar um cachê diminuto às atrizes pelo simples fato de serem mulheres. Qual seria o pensamento sobre o feminino?
É importante questionar as razões de exposição de nudez das ex-companheiras, ex-namoradas em vídeos íntimos, quando do término da relação.
Resta-nos questionar o que leva a uma comum ocorrência de mulheres serem interrompidas em suas falas, em condição naturalizada, onde se impõe uma permanente tentativa de submissão e de silêncio.
Resta-nos indagar o que leva ao esvaziamento da representação feminina nos espaços de poder, retirando-lhe o direito de deliberar sobre importantes políticas públicas de Estado e de governo, quanto à educação, ao atendimento de saúde, à realização de ações ou de projetos de desenvolvimento social e comunitário.
Resta-nos indagar o que está por trás dos diversos “golpes” impingidos ao feminino no transcorrer de suasexistências.
E isso deve ser dito não somente quando dos abortamentos seletivos de fetos femininos, ou quando da seleção deembriões masculinos em tantas sociedades e culturas, ou até quando da ocorrência do tráfico de mulheres e meninas, ou exploração sexual destas, ainda crianças, com a apropriação de seus corpos como se fossem objetos, sempre disponíveis.
Viviane foi vítima de um crime horrendo que nos leva a perquirir sobre a desqualificação e apropriação do feminino, trazendo à tona a realidade de que mesmo juízas, médicas, advogadas, promotoras, delegadas, engenheiras e outras profissionais qualificadas não estão imunes a esses crimes. Criaram uma cultura onde a dignidade é garantida ao homem. A mulher não foi somente excluída da Declaração Francesa de Direitos. A exclusão permeia crenças, pensamentos, estruturação do Poder, sistemas.
Antes da facada, do tiro, do estrangulamento, do estupro, da importunação, da perseguição, há um elementoinvisível determinador de todas essas ocorrências.
É necessário ampliar o olhar para além do espaço doméstico. É necessário perceber todos os condicionamentos culturais e sociais que agravam e colocam em risco a existência do feminino.
O agressor Paulo José Arronenzi desconsiderou não somente a dignidade de Viviane, de seu direito de decidir pelo fim de um relacionamento abusivo e almejar horizontes melhores para ela e suas filhas. O agressor Paulo José Arronenzi desconsiderou o custo de sua terrível conduta para Viviane e às filhas.
A violência tem um custo muito maior com o passar do tempo. Ele retirou o direito das filhas terem a presença da mãe, de poderem crescer com a experiência desse compartilhar único, em sorrisos, colo, presença, ensinamentos e amor ofertado desde a gestação às filhas.
Paulo José Arronenzi não conseguiu ver e respeitar a decisão de Viviane. Não conseguiu sequer ver as filhas e perceber a tragédia que estaria sendo imposta a elas. Aprendeu, desde muito cedo, a assumir um privilégio existencial dado culturalmente somente aqueles que nascem homens.
Um masculino que quer se manter no topo em um lugar que nunca existiu. Pois, a existência é um espaço de compartilhamento, respeito, crescimento mútuo eaprendizados constantes.
Cruel é a ordem do patriarcalismo (autoridade do pai, do homem para o homem), da cegueira do androcentrismo (o masculino no centro), do sexismo (onde se hierarquiza os sexos, com o superlativo do masculino) que retira, todos os dias, o direito de meninas e mulheres construírem as suas histórias.
É preciso olhar para além da facada, do tiro, do estrangulamento, do estupro, do tráfico de meninas e mulheres, das agressões físicas, da exploração sexual de meninas, da exposição de seus corpos, dentre tantos outros crimes cometidos contra meninas e mulheres. É preciso olhar para o invisível que alimenta a violência contra o feminino.
Amini Haddad Campos é Professora da UFMT, Coordenadora do Núcleo de Estudos Científicos
sobre as Vulnerabilidades da Faculdade de Direito da UFMT. Juíza de Direito – TJ/MT
Endereço para acessar currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/4301365834354786
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